Longa-duração de Hormindo Retamero prensado pela gravadora Continental.
Hormindo Retamero nos anos 1950.
Hormindo Retamero canta acompanhado por Carlus Maximus no Pateo do Collegio.
Hormindo era um performer natural... ele cantava impromptu, a capella, onde for que estivesse...
Hormindo Retamero e Salomé Parisio acompanhados por Gabriel Gonzaga no Pateo do Collegio.
Neuza Guerreiro entrevista Hormindo Retamero - 15 Março 2005
(Thais Matarazzo participa como ouvinte. Pérola chega no terço final da entrevista.)
Neuza Guerreiro: Qual o local de seu nascimento?
Hormindo Retamero: Jahú, Jahú.
N.: E data de nascimento?
H.: 27 do 12 de 22 - 27 Dezembro 1922! Parece que eu tenho 85, 86, mas tenho 82 anos mesmo. 82 mil km rodados! [risos]
N.: Qual é a origem de sua família? Origem étnica?
N.: Qual é a origem de sua família? Origem étnica?
H.: Espanhola, de Granada.
N.: Sul da Espanha?
H.: Sim!
N.: Invadida pelos mouros?
H.: Sim, há muitos anos estive lá. Gostei muito.
N.: O sr. nasceu aqui no Brasil porque seus pais vieram como imigrantes?
H.: Em 1912.
N.: O sr. se lembra de seus avós?
H.: Muito vagamente! Só de minha avó.
N.: Então fala alguma coisinha dela.
H.: Minha avó era uma velhinha, que quando me encontrava, me dava dozento-réis, quinhento-réis. Eu ficava louco de alegria. [todos riem]
N.: Ela era espanhola?
H.: Ô !
N.: Como é que ela chamava?
H.: Carmen.
N.: Bom nome, de espanhol mesmo, né? Era essa avó que o sr. se lembra?
H.: Só. O outro eu conheci de fotografia. Francisco Olmos, cara elegantão; que nem eu! Que eu fui elegante também. Parece que não, mas já fui um dia. [N. ri] É bom dar uns pulos na vida!
N.: Agora, fala alguma coisa sobre seus pais.
H.: Meu pai, trabalhador. Foi administrador, onde eu nasci, na Fazenda do Chiquinho Pacheco, em Jahú. Nasci lá. Saí de lá com 4 ou 5 anos. Saí, não; meus pais me trouxeram. Eu tinha cachinhos. Ainda tem fotografia! Minha mãe guardou um cachinho meu até há poucos anos, no modo de dizer, é! E eu chorava porque perguntavam se eu era menino ou menina. [N. e T. riem] Eu era bonitinho, sim. Agora eu sou meio feião, mas era bonitinho.
N.: Mas o sr. ainda se lembra de seus pais? Eles eram bravos?
H.: Não, meu pai era de uma personalidade fóra-de-série. Eu apanhei uma vez só; uma chinelada da minha mãe. Como dizer que meu apelido era "la malva de la casa"; faz uma ideía, né! como eu era bonzinho!! Eu enchia o tanque de água para minha mãe lavar roupa; ia fazer compra; e um irmão meu dizia: "Ah, tá fechado!", só para não ir.
N.: Essa é uma boa lembrança dos seus pais que o sr. tem né?
H.: Ô !
N.: E o sr. foi casado? É casado?
H.: Eu conheci a minha esposa quando eu tinha 8 p’ra 9 anos. Nove anos! Eu estava jogando bolinha e passou um amigo que era conhecido como ‘Pula-Brejo’. O Toninho conheceu o João Pula-Brejo! "Aonde você vai?" Ele respondeu: "Ah, eu vou pedir serviço numa fábrica de boneca." – "Então eu vou junto com você!" E fui. Cheguei lá, e a que veio a ser minha sogra estava descascando batatinha, com uma travessa dessas de ágata. E o rapaz entrou. "E vos otros, quieren también servicio?" Eu falei: "Quero, sim senhora!" Aí o seu João, marido dela, estava fazendo verniz no quintal. Verniz p’ra envernizar as bonecas. Ela falou: "Hay ahi dos niños!" Era eu e um amigo meu, Cesário França, estabelecido em Suzano, com material de construção atualmente. Bom, "Hay ahi dos niños!" Minha sogra era viva até outro dia! Muito esperta. Ele falou: "No, no precisa!" – Aí ela lembrou do pior trabalho da fábrica, e ela falou: "Y las tiras?" As tiras – tapa-tiras, era um trabalho desgranhento de ruim!
N.: O que que é isso?
H.: Tapa-tira! É... faziam as duas peças. Por exemplo, o bracinho [da boneca] tinha duas peças e depois que cortavam as rebarba, ainda ficava um pouquinho, umas aberturinhas. Então tinha que passar cóla e passar a fita em volta. Fui o melhor tapador de tiras. [a Pérola está chegando]. Ólha como ela está bonita! Gostei do cabelo hoje. Aí fiquei lá alguns anos. De lá, abrimos uma fábrica. Péra, não! Fui trabalhar no Ulisses Nogueira, uma outra fábrica de boneca. Vamos dar um salto agora p’ros 20 anos? Fazer quiném a história do homem, né! 14 anos, 20, 40. Essa eu conto depois, fóra da gravação. Aí abrimos uma fábrica, eu e meu irmão. Rua do Ouro, 370, antigo 44. Fábrica de Bonecas Branca-de-Neve! Trabalhava quiném um louco, mas dáva para o arroz-e-feijão. Agora vamos a quanto? Vamos passar p’ros 20 anos? Vamos 23, 24 anos. Eu, apaixonado por tangos de Gardel: "Puxa, preciso conhecer a Argentina. Ah, vou conhecer Buenos Aires." E me arranquei. Ah, mas que pinta!
N.: Eu pensei que você estivesse apaixonado pela Maria!
H.: Olha! Ô ! Já contei esse pedaço! [risos]. Aí fui p’ra Buenos Aires. Tive que vender um terreno, que eu estava pagando à prestação na Vila Santa Terezinha. Vendi! A pessoa que comprou fez um bom negócio; que eu vendi baratinho. Peguei um trem aqui na Estação da Luz. Avisa quando está na hora de começar a encerrar, que eu vou p’ros 60 já! [Neuza ri]. Daí fui p’ra Buenos Aires. Cheguei lá louco! [alguém chegando e passando pela mesa onde a entrevista está sendo feita]. Olha, esse aí faz anos depois de amanhã, heim! Cheguei em Buenos Aires, e eu era estampador aqui no Brasil. Eu fui estampador na Estamparia Fernandes, na rua Tuiúty, lá no fim! Quando eu pedi emprego numa estamparia em Buenos Aires, queriam me pegar na hora, pela falta que fazia! Imagina que diferença hoje, heim! Aí eu comecei a trabalhar de estampador. Aí, quando eu saía da estamparia, eu ia cantar no Parque Retiro. Agora, por que você foi cantar? Porque numa tarde que eu fui conhecer o Parque Retiro, que era antigamente Parque Japonés, eu peguei o telefone público: "Con permiso?" Peguei, e liguei para minha cunhada. Falei: "Escuta, Dalva, fala p’ro Francisco trazer a Lizete neste parque, que é uma maravilha." Antigo Parque Japonés, Parque Perón, Parque Retiro – teve vários nomes. Aí quando eu desliguei, veio um camarada e disse: "Usted es brasilero?", "Sou brasileiro.", "Uh, peró que me gusta es la musica brasilera! Alegre!" Falei: "Ah, é?" Eu fumava naquele tempo quiném uma besta! Não devia ter fumado nunca! Peguei a caixinha de fósforo e comecei: [cantando um sambinha] "Se eu fico em casa você tá falando, se eu vou p’ra rua..." "É isso, é isso!" E gostaram e juntou gente. Um camarada, que era dono de uma barraca daquelas que fazia espetáculos, me abraçou e falou: "Este me lo llevo para el boogie-boogie!" E cheguei no boogie-boogie e me apresentaram: "Este es el brasilero que canta. Mirenlo como canta!" Eu fazia só p’ra chamar atenção: [cantando] "Brasil, meu Brasil brasileiro..." "Vaian, vaian pasando..." E aquilo era só farol, porque eu nem conheço a letra dessa música! [N. ri]. E aí cantava. Recebia 12, 13 pesos por noite, e fui pondo na Caixa Econômica. Com o que eu ganhava na estamparia e cantando à noite, eu juntei um dinheirinho e pus na Poupança. E um dia eu resolvi vir embora, que me bateu a nostalgia! Eu falei: "Vou embora!" – E vim embora! [Falando para a Pérola]: Namorei aquela moça que você conheceu... o pai dela... [Pérola diz algo inaudível... traição!] No, no, mas isso foi de passagem. Isso foi uma fraqueza da minha...
documento argentino de Permissão para Trabalhar quando Hormindo viveu em Buenos Aires.
N.: Quando é que o sr. casou?
H.: Eu casei com 33 anos, aqui no Brasil já! [1955] Cansado de Vila Sofia; cantei na Vila Sofia. Cantei no Lilas, o famoso Lilas. Vai muito longe isso? [referindo-se à fita cassette do gravador da Neuza].
N.: Não, eu paro quando... pode deixar que eu encaminho. Fala agora da sua esposa um pouco.
Maria & Hormindo Retamero.
N.: Não, eu paro quando... pode deixar que eu encaminho. Fala agora da sua esposa um pouco.
H.: A minha esposa é a coisa mais maravilhosa! Ontem, esta noite mesmo, eu deitado, eu pus a mão assim por cima dela, que já estava altas horas da noite, e aí eu falei: "Puxa vida, eu não pensei que Deus ia me dar uma esposa tão maravilhosa." – E ela falou: "E eu também nunca imaginei que você fosse um marido que é!" - Eu falei: "Ih! Com essas declarações nós estamos feitos!" [há um burburinho entre as várias ouvintes].
N.: Cuidado que as coisas vão...
H.: Não! Minha esposa, ela é muito bacana! Muito, muito! Ela teve uma educação bacana.
N.: O sr tem filhos?
H.: Não! Dios me quiere mucho! Porque dizem, dizem que aquele que não tem filho, el diablo les dá sobrinos! Aqueles que não tem filhos, o diabo lhes dá sobrinhos. Eu tenho uma porção de sobrinhos que me querem muito bem. Estamos tocando a vida. Já estou com 82 e ela com 83, mas parece que tem 3 ou 4 menos que eu. N.: Então, atualmente o sr. vive com sua esposa só?
H.: Ô ! E vou viver até a morte, que não está longe; não brinca, ô!
N.: Quanto tempo o sr. está nesse grupo de colecionadores?
H.: Aqui, acho que uns 10 anos, né, Pérola? Por aí, 10, 12 anos. Pérola: Eu estou há 7 [anos].
H.: Aqui, acho que uns 10 anos, né, Pérola? Por aí, 10, 12 anos. Pérola: Eu estou há 7 [anos].
H.: Eu já nem me lembro. Tá quanto?
P.: Há sete!
N.: Como é que o sr. chegou até aqui? Como é que o sr. descobriu aqui?
H.: Eu cheguei aqui por causa de um motorista vagabundo! Não quis me abrir a porta [do ônibus] na Praça da Sé, que eu ia tomar o metrô; e ele falou [imitando a voz do motorista do ônibus, que se recusou a abrir a porta]: "Aqui eu não posso abrir!" Assim com bronca! Quando chegou aí [na frente do Pateo], eu, p’ra mostrar p’ra ele, que ele não tinha me prejudicado, desci e vim andando diréto aqui p’ra entrada do Pateo. Cheguei e ia passando; tinha 2 ou 3 meninos falando em bandoneón; aí eu falei: "Já estão mexendo comigo! Falou em bandoneón, mexeu comigo!" – "Por que?" disse um deles. "Ah, porque eu gosto!" - "Ô, então senta aí!" E começamos a bater-papo. [começa a tossir] É por causa do bendito cigarro, ó... [tósse] Ó o cigarro, lindo aí.
N.: E quando o sr. chegou aqui as reuniões já eram aqui neste lugar?
H.: Não!! Que !! Faziam reunião aí fóra. Punham os discos na calçada.
N.: Qual é a musica que o sr. prefere?
H.: Tango, tango, tango que me hiciste mal y sin embargo te quiero porque sos el mensagero del alma de Arrabal. Bonito, né?
N.: E seu intérprete preferido?
N.: E seu intérprete preferido?
H.: Adivinha se é o Carlos Gardel? [todas riem]
N.: O sr tem algum acervo específico? Coleção de discos?
H.: Tenho só... quinhentos... quase 600 números de Gardel. Só em fita.
N.: Bom, eu gostaria de ficar aqui muito mais tempo... muito obrigada.
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